09/12/2007

Luzes das grandes cidades





"Luzes das grandes cidades. Olhas para elas enquanto o avião perde altitude e vê-las cobrir a crosta terrestre como fungos brilhantes. São células que estendem as suas ramificações, como bracinhos intermináveis, umas para as outras. Em tempos, este planalto foi só mato e terra vermelha. À noite ouviam-se guinchos de animais, mas nada se via naquela negrura de breu. Milhares de anos passaram assim, taé às primeiras fogueiras e archotes e acampamentos nómadas, e mais umas centenas até às primeiras casas perdidas no meio de enormes fazendas, mal alumiadas por velas e candeeiros a óleo, distantes umas das outras por horas e dias a cavalo, carentes até da noção da sua própria solidão.
A primeira verdadeira cidade que nasceu neste pedaço de terreno que os teus olhos espreitam da janela do avião foi fundada há não mais de duas gerações. É no Novo Mundo, onde todas estas coisas te atingem de frente, mas poderia ser em qualquer outra região do globo. Espalhámo-nos como uma poeira a partir de África, há pouquíssimo tempo na história do planeta. Uns milhares de primatas, discretos e pouco notáveis, pouca diferença fizeram até habitarem em todos os continentes. E foi só na ponta mais recente da fase mais recente da pouca história que passámos aconchegados em cidades- talvez por medo - , que a electricidade iluminou os solos e algo de extraordinário aconteceu. Dás-te conta do que foi, ensanduichado entre o céu estrelado e a terra dura, num avião disparado a centenas de quilómetros por hora. Aquilo que te dás conta: de que as luzes das cidades abaixo são mais belas do que as luzes das estrelas no céu. São mais ricas e fascinantes - e as outras comparativamente pálidas e inexpressivas."

in Blitz nº18, por Rui Tavares


Considerei ser pertinente a "postagem" deste artigo de opinião, uma vez que segundo a minha perspectiva, este apresenta uma concepção moderna do futurismo exaltado por Álvaro de Campos; em ambos, há um fascínio pela cidade e pela máquina como produto da evolução do homem.


Ana Nunes

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